Crime Sem Saída | Para uma tarde quente de opções reduzidas.
Andre Davis (Chadwick Boseman) é um jovem policial que decide seguir os passos do pai, que foi morto quando ele ainda era garoto, e se torna um profissional (segundo sua própria visão) justo, honrado e consciente de suas ações como garantista da lei. Algumas de suas convicções a esse respeito, no entanto, o fizeram responsável por algumas mortes – por ele justificáveis – durante operações realizadas nos últimos anos, fato que o obriga a visitar constantemente a corregedoria de New York (mas só vemos isso acontecer uma vez).
Ray (Taylor Kitsch) e Michael (Stephan James) são dois ladrões contratados para realizar o que deveria ser um simples roubo de cocaína envolvendo gangues rivais, mas tudo acaba saindo do controle e resulta em oito policiais mortos, além de um civil. Os problemas, no entanto, não param por aí: os acontecimentos decorrentes do desastroso roubo vão se mostrando numa extensão muito maior do que se imaginava, revelando um esquema que envolve policiais corruptos do seu próprio departamento. Andre se torna o responsável pelas investigações do crime e tem apenas uma noite para solucionar os mistérios e capturar os bandidos; para isso, a polícia, literalmente, fecha todas as saídas de Manhattan.
Daí a ideia do título ser “Crime ‘Sem Saída’” na versão brasileira. Porém, este é o primeiro elemento que contribui para que o longa corra o risco de ser facilmente levado à categoria de filmes policiais pelos quais passamos sem grande interesse, quando buscamos algo pra ver na TV ou nos apps..., pois o efeito poético de 21 bridges, do título original, em alusão às famosas pontes da ilha de Manhattan, se perde por completo, minguando um potencial elemento de destaque já no cartaz.
Em Andre, não há sinal do “Rei de Wakanda”, o que demonstra a habilidade de Boseman (Pantera Negra, 2018) de se reinventar para outros papéis, mas o controverso “policial honrado e de sangue-frio”, nos moldes do que é prometido, também não consegue se construir convincentemente ao longo da maior parte do filme; enxergamos com facilidade e ligeireza o garoto abalado pela brutal morte de seu pai, mas o “pistoleiro” – imagem que a trama tenta sustentar desde o início – somente se nos apresenta pela voz das outras personagens, que assim o chamam, mas não por ele mesmo. Isso muda nos momentos finais, e vemos o que realmente queríamos ver. É um tanto difícil dizer se a falha é de Boseman, acostumado a ser herói, ou do roteiro... a tendência é maior neste que naquele.
Isso nos leva a dizer que o elenco como um todo se comporta muito bem, e a dublagem brasileira responde, como sempre, à altura. As cenas de ação recebem uma excelente produção, dignas do talento dos irmãos Russo, envolvendo bons enquadramentos, movimentos de câmera que se dedicam a proporcionar bom acompanhamento dos acontecimentos, mesmo nos de grande agitação; fotografias incríveis e efeitos sonoros bem construídos. Há certo exagero no impacto sonoro dos tiros, que não condiz com os padrões bem equilibrados da trilha do filme como um todo, mas não é algo que compromete o bom desempenho das cenas.
O filme, desde o início, promete ser clichê e assim o faz; se esforça para construir bem as cenas, e até consegue, mas só podemos tecer verdadeiros elogios até aí. Há um subaproveitamento visível de excelentes nomes como J.K. Simmons, Sienna e Taylor em benefício de Boseman e Stephan James – que conseguem entregar bons personagens, apesar das ressalvas. A disposição é compreensível, mas um tanto broxante ver um elenco tão bom entregue a um roteiro relativamente pobre. Nesse sentido, sob direção de Brian Kirk (Game of Thrones, 2011), o filme inteiro opta por seguir caminhos que não são problemáticos, evitando plot twists grandiosos e/ou arriscados, de modo que, para os padrões, não decepciona – visto que também não parece ter grandes pretensões de bilheteria –, mas tampouco surpreende.
A trilha sonora de Henry Jackman (WiFi Ralph, 2018), esta sim(!), dá ao filme os elementos de que precisa, e que de outra forma não conseguiria: desaceleração nas cenas que pedem atenção e força de continuidade nas cenas que precisam passar depressa; um malabarismo que opera numa dimensão entre o intelectivo e o sensitivo, dosando nosso envolvimento com as sequências de acontecimentos relativamente insuficientes em si mesmos. Por vezes, a trilha sonora, a boa atuação e o jogo de câmeras habilmente nos chamam com a perícia de um mágico que desvia nossa atenção de elementos do roteiro, que facilmente nos entediariam ou fariam com que o encanto de seus truques perdesse efeito, como as mortes que acontecem fácil e rápido demais, o cerco de Manhattan que se dá em menos de 20 minutos, e as deduções que, mesmo apressadas, geram soluções inacreditavelmente convenientes, que entregam de bandeja o paradeiro dos bandidos onde quer que estejam...
Em suma, em sua conjuntura, é um filme mediano, com bons investimentos da produção, mas baixo desempenho no enredo e no roteiro. Quem curte produções do gênero policial clássico talvez consiga extrair algum entusiasmo, mas, no geral, não tem força de atração suficiente que resulte em convites para que se volte ao cinema com amigos ou crush – só se você for realmente muito fã do Chadwick Boseman –, de modo que eu só assistiria uma vez, numa tarde quente de opções reduzidas.
- Trailer
- Ficha técnica
Título original: 21 Bridges
Título em português: Crime Sem Saída.
Estreia: 05/12/2019.
Gênero: Drama/Policial.
Duração: 01h 39m.
Direção: Brian Kirk.
Elenco: Chadwick Boseman, Sienna Miller, Keith David, J.K. Simmons, Taylor Kitsch, Stephan James, Alexander Siddig.
Roteiro: Adam Mervis, Matthew Carnahan.
Produção: Anthony Russo, Joe Russo, Logan Coles, Chadwick Boseman, Mike Larocca.
Trilha sonora: Henry Jackman.
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